Breve: Louva-a-deus, um inseto mal compreendido

domingo, 27 de novembro de 2011

Desabafo de um Agricultor do Oeste do Paraná

A família dos Guerini voltou do Paraguai em 2001, após alguns anos de agricultura convencional nas terras que lá estavam sendo “desbravadas”. Decidiram manter-se na agricultura porque é a atividade que amam e o que sabem fazer. Para isso, buscaram uma área vizinha ao Parque Nacional do Iguaçu, município de São Miguel do Iguaçu, tendo em mente um projeto de agricultura orgânica.
Mas, por diversos motivos, a ideia acabou não se viabilizando como planejado. A zona de amortecimento de impacto no entorno de unidades de conservação caiu de 10 km para 500 metros para o plantio de soja transgênica.
As sementes convencionais registradas eram compradas e plantadas como convencionais, mas já vinham contaminadas. O produtor prejudicado ainda corria o risco de ser penalizado por ter plantado sementes transgênicas na margem do parque e sem pagar o royalty cobrado pelas empresas. “As sementeiras não sofrem nenhuma penalização por vender sementes contaminadas, o agricultor sim”, denuncia.

O Guardafogo deseja compartilhar com seus leitores uma carta enviada por um agricultor do oeste do Paraná à AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, e publicada no seu site.
Ele se sente “encurralado” por querer manter-se fora do sistema imposto pelas empresas de transgênicos e seguir produzindo suas próprias sementes.

Leia a carta na íntegra:

Encurralar: meter em curral, encantoar em local sem saída, sem opção de escolha, perda da liberdade… é assim que está o agricultor que não deseja aderir ao plantio de organismos geneticamente modificados, no meu caso a soja e o milho.
Gostaria que me permitissem um desabafo.
A agricultura, atividade milenar que fixou o homem tirando-o do nomadismo, criou a possibilidade da civilização se desenvolver, é a pedra angular na produção de alimentos para a humanidade. Hoje é uma atividade controlada.
A produção de alimentos é entendida, ou pelo menos deveria ser entendida pelos governantes de um país, como um ponto estratégico, segurança alimentar.
A nação que se auto sustenta na produção de alimentos tem uma vantagem óbvia em relação às que não forem capazes. Mas, pelo que tudo indica, nossos governantes (eu me refiro em especial aos parlamentares, congressistas que compõem a bancada ruralista) não estão dando importância para auto sustentabilidade e segurança alimentar da nação. Se eu pudesse gostaria de fazer algumas perguntas a esses parlamentares que me referi acima:
Por que depender de uma tecnologia criada por um concorrente que tem por principal objetivo o controle sobre as sementes e os agricultores e o controle sobre a produção de alimentos no mundo?
Por que deixar corporações estrangeiras ditarem as regras de um setor tão importante?
Será que com todos os cientistas e mentes brilhantes que temos aqui no Brasil não seria possível encontrar uma outra solução para os problemas enfrentados pela agricultura além dessa proposta dos organismos geneticamente modificados?
Do agricultor foram tirados todos os direitos básicos elementares de optar por um ou por outro sistema de produção, de poder guardar as suas sementes, a liberdade de escolha.
Além do agricultor ter que arcar com o risco das intempéries, das mudanças climáticas e de toda má sorte que pode ocorrer desde o plantio até a colheita, ele é jogado no covil desses leões famintos que são essas mega corporações que estão nos empurrando para um brete sem saída. E o pior, com o aval de quem deveria nos proteger.
Quem deveria nos proteger são os representantes do setor agrícola no congresso. Criando leis, mecanismos que impeçam essas corporações de fazer o que bem entendem, de fazer com que o agricultor fique cada vez mais dependente, mais endividado, mais impotente, mais desesperado, mais sem saída.
Afinal, bancada ruralista, a quem vocês estão representando mesmo?
Grato pela atenção,
Silvio Guerini”

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

China - O Dragão está despertando

"Deixem a China dormir, porque quando ela acordar, o mundo vai estremecer". (Napoleão Bonnaparte)
Há 200 anos, Napoleão Bonnaparte fez esta profecia, que parece estar começando a realizar-se.
A China do Futuro é hoje!
O Futuro é hoje!
A verdade é que agora, tudo o que compramos é 'Made in China'. 

Mas quem liga para esse aviso? 

Atualmente, nesta nossa ânsia por novidades, ninguém!
O lema agora é aproveitar... Só aproveitar!
E depois, como será para os nossos filhos? 
Como ficará a China no futuro?

Este sôfrego blogueiro repassa ensaio do diretor de marketing da Dana, jornalista Luciano Pires, com pequenos adendos de próprio punho:
Complexos industriais: imposição de disciplinas rígidas
Alguns conhecidos voltaram da China impressionados.
Um determinado produto que o Brasil fabrica na razão de um milhão de unidades, uma só fábrica chinesa produz quarenta milhões.

A qualidade já é equivalente. E a velocidade de reação é impressionante.

Os chineses colocam qualquer produto no mercado em questão de semanas, com preços que são uma fração dos praticados aqui.

Lá dentro, trabalho, trabalho, trabalho, nada de papo!
Uma das fábricas está de mudança para o interior, pois os salários da região onde está instalada estão altos demais: 100 dólares.

Um operário brasileiro equivalente ganha 300 dólares, no mínimo, que acrescidos de impostos e benefícios representam quase 600 dólares.

Quando comparados com os 100 dólares dos chineses, que recebem praticamente zero de benefícios, estamos perante uma escravatura amarela e ajudamos a alimentá-la.

Horas extras? Na China? Esqueça!!!

O pessoal por lá é tão agradecido por ter um emprego que trabalha horas extras sabendo que não vai receber nada por isso. E ainda não falamos sobre trabalho infantil, que deve ser um capítulo à parte...
Trabalho Infantil na Microsoft
Atrás dessa 'postura' está a grande armadilha chinesa.

Não se trata de uma estratégia comercial, mas sim de uma estratégia 'de poder' para ganhar o mercado ocidental.
Os chineses estão tirando proveito da atitude dos famigerados 'marqueteiros' ocidentais, que preferem terceirizar a produção, ficando apenas com o que ela 'agrega de valor': a marca. Pensam que estão lucrando com isso.
Dificilmente você adquire hoje nas grandes redes comerciais dos Estados Unidos um produto 'Made in USA', ou no Brasil um produto 'Made in Brazil'.

É tudo "Made in China", com rótulo estadunidense ou brasileiro, respectivamente.
As Empresas ganham rios de dinheiro comprando dos chineses por centavos e vendendo por centenas de dólares ou reais.

Apenas lhes interessa o lucro imediato e a qualquer preço, mesmo ao custo do fechamento das suas fábricas e do brutal desemprego norte-americano. É o que pode-se chamar de "estratégia preçonhenta".

Enquanto os ocidentais terceirizam as táticas e ganham no curto prazo, a China assimila essas táticas e cria unidades produtivas de alta performance, para dominar no longo prazo.
Enquanto as grandes potências mercadológicas que ficam com as marcas, com os designes, suas grifes, os chineses estão ficando com a produção, assistindo, estimulando e contribuindo para o desmantelamento dos já poucos parques industriais ocidentais.
Em breve, por exemplo, já não haverá mais fábricas de tênis ou de calçados pelo mundo ocidental. Só haverá na China.
Então, num futuro próximo veremos os produtos chineses aumentando os seus preços, produzindo um 'choque da manufatura', como aconteceu com o choque petrolífero nos anos setenta. Aí já será tarde demais.

Dimensões incalculáveis...
Então o mundo perceberá que reerguer as suas fábricas terá um custo proibitivo e irá render-se ao poderio chinês.
Perceberá que alimentou um enorme dragão e acabou refém do mesmo.

Dragão este que aumentará gradativamente seus preços, já que será ele quem ditará as novas leis de mercado, pois será quem manda, terá o monopólio da produção.
Sendo ela, e apenas ela, quem possuirá as fábricas, inventários e empregos é ela quem vai regular os mercados e não os 'preçonhentos'. Nesta estratégia pode estar inserida a intenção de remunerar melhor a mão de obra (hoje quase escrava), melhorando a qualidade de vida a nível nacional.
Iremos, nós e os nossos filhos e netos, assistir a uma inversão das regras do jogo atual que terão nas economias ocidentais o impacto de uma bomba atômica... chinesa.
Confinamento
Nessa altura em que o mundo ocidental acordar, será muito tarde.
Nesse dia, os executivos 'peçonhentos' olharão tristemente para os esqueletos das suas antigas fábricas, para os técnicos aposentados jogando baralho no boteco da esquina, e chorarão sobre as sucatas dos seus parques fabris desmontados.
E então lembrarão, com muitas saudades, do tempo em que ganharam dinheiro comprando "balatinho dos esclavos" chineses, vendendo caro suas "marcas-grifes" aos seus conterrâneos.
E então, entristecidos, abrirão suas 'marmitas' e almoçarão as suas marcas que já deixaram de ser moda e, por isso, deixaram de ser poderosas pois foram todas copiadas.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Bolsa Família: verdades e babaquices

 Depois de ouvir por várias vezes comentários estranhos e, por que não dizer insolentes, a respeito do Programa Bolsa Família, do Governo Federal, este sôfrego blogueiro pretende socializar texto escrito por Daniel Caetano, engenheiro, professor universitário e escritor.
O Bolsa Família é um programa criado pelo Ministério do Desenvolvimento Social, objetivando apoiar as famílias mais pobres e garantir a elas o direito à alimentação e o acesso à educação e à saúde.
Aos iludidos pela mídia marrom que costumam denominá-lo de 'bolsa-esmola', de 'estímulo à vadiagem' ou 'compra de votos legalizada', seria muito bom ler o texto, para que se liberte da desgraça de servir de massa de manobra dos poderosos que têm medo da distribuição de renda.
É um texto técnico, sem qualquer conotação ou tendência política. Por mais que você já tenha lido textos interessantes, certamente este vai marcar pela notoriedade e perfeita organização de pensamentos:

Bolsa Família - efeitos colaterais
Não gosto muito de tratar assuntos políticos aqui; a razão para isso é que gosto de estimular a reflexão sobre o que observo no dia-a-dia e, acredito, falar sobre política sai um pouco desta linha, dado que nela o mote principal não é a razão e reflexão, mas a negociação de interesses.
Cartão do Bolsa Família
Vou abrir uma exceção desta vez, devido a uma conversa que ouvi ontem. Conversavam sobre a ineficiência, ineficácia do "bolsa esmola" e toda a falácia que supostamente cerca o referido programa (positivas e negativas). O que me permite abrir essa exceção é o fato de que todos os candidatos parecem estar apoiando esta iniciativa - ainda que, em alguns casos, esse apoio seja motivo de riso para muitos.
Sou uma pessoa técnica, não gosto de fazer política. Minha experiência no campo político me proporcionou muita angustia pessoal; foi quando descobri que não tenho fígado para isso.1 Assim, há algum tempo, seguindo a minha visão técnica e sem conhecer muita coisa da realidade brasileira, eu questionava muito o tal do Bolsa Família; em especial, quanto à sua eficácia.
Avaliando superficialmente, o Bolsa Família é "um programa assistencialista e populista, uma forma legal de compra de votos", como ouvi alguém colocar.
Não há como negar que é possível - e alguns diriam provável - que essa é a índole do programa, isto é, que essa é a motivação primordial por trás do programa. Por outro lado, vem a dúvida: será que esta é a característica mais relevante em uma análise mais ampla?
Depois de viajar pelo interior do Brasil, por lugares como o Vale do Jequitinhonha no norte de Minas Gerais ou o interior da Bahia, regiões extremamente mais pobres que a em que vivo - São Paulo -, conversar com os habitantes destes lugares e ouvir da boca deles como a vida da comunidade melhorou (e não apenas das famílias diretamente beneficiadas pelo programa), me convenci que a avaliação "rasa" do programa era falha, e comecei a procurar entender melhor suas consequências.
A conclusão a que cheguei é que ele tem efeitos muito mais relevantes do que aqueles normalmente explicitados. Aqueles que consideram que se trata apenas de um programa eleitoreiro, podem considerar que esses "efeitos", na verdade, são apenas "efeitos colaterais". Mas isso não invalida, de forma alguma, as conclusões sobre a validade do programa.
Antes de mais nada, gostaria de dizer que, me parece, o segredo por trás do sucesso do programa é o valor que foi definido para a bolsa, além dos critérios para sua concessão. Os critérios são relevantes, mas dependem de controle - algo difícil de se conseguir, dada a amplitude do programa. O valor da bolsa, entretanto, tem um efeito autorregulador interessante, que dispensa controle ativo.
Que efeito autorregulador é esse? É o efeito de ser uma bolsa de um valor alto o suficiente para permitir que as famílias saiam da miséria absoluta, mas baixo o suficiente para que, assim que a situação melhora, seja para a pessoa ou para a comunidade em que ela vive, a bolsa se torna desprezível.
Para entender essa afirmação, é preciso avaliar os efeitos todos do programa, o que tentarei apresentar em diversos níveis, sempre com foco nos benefícios sociais que ele proporciona (e não nos ganhos políticos decorrentes).
EFEITOS DE PRIMEIRA ORDEM
Os efeitos de primeira ordem são aqueles diretos, ou seja, uma melhoria da qualidade de vida dos mais miseráveis. Em tese, os beneficiários diretos são apenas as famílias que recebem a bolsa e é este tipo de efeito que leva a uma definição, talvez precipitada, de que se trata de um programa "populista e eleitoreiro".2
EFEITOS DE SEGUNDA ORDEM
Os efeitos de segunda ordem são aqueles observados na sociedade, em um curto intervalo de tempo, após a implementação do programa.
Na Economia
As pessoas que recebem o bolsa família têm, proporcionalmente, um grande aumento em seu poder de compra; essas pessoas, entretanto, não estão em um patamar de consumo em que aumentar o poder de compra significa comprar supérfluos (celulares, carros etc.), mas sim em um patamar onde existe necessidade reprimida por alimentos e insumos básicos para a vida digna (água, limpeza, material escolar, dentre outros).
Como a maioria destas pessoas vivem em lugares muito pobres3, estes produtos, em geral, não são adquiridos em grandes supermercados, mas em pequenas vendas e pequenos comércios locais.
Ora, a "vendinha" da esquina, ao ganhar novos consumidores e ter um aumento substancial do consumo, cresce. Ao crescer, não apenas gera empregos, mas também movimenta a economia local: o dono da vendinha e seus funcionários também vão comprar em outras lojas.
Adicionalmente, o dono da vendinha tem como negócio o comércio, ou seja, ele não produz o que vende. Se aumentou a venda, ele tem que comprar mais. Isso movimenta a agricultura e produção local e, em estágios mais avançados, até mesmo aumenta o consumo em outros mercados, de onde o dono da vendinha tem que ir buscar produtos, "na cidade grande". Em outras palavras, trata-se do surgimento de novos mercados produtores e consumidores, possibilitando inclusive a indução de emprego e melhoria das condições de vida em outras regiões.
Além do efeito óbvio que isso tem para o aumento da qualidade de vida local, a maior parte dessas operações geram impostos para o governo e, embora seja difícil precisar o valor que "volta" para o governo de cada Real gasto com o Bolsa Família, o certo é que uma parte volta. Como são mercados novos, isso significa que o imposto que volta tem o efeito de diminuir o custo do programa, o que para o governo - e para o povo que o financia - é ótimo.
Agora, uma outra coisa que acontece com o aquecimento da economia local é, em geral, uma inflação local. É comum que nas regiões mais pobres tudo custe muito barato, porque as pessoas não têm dinheiro para consumir. Com o dinheiro e a melhoria inicial das condições de vida das pessoas, ocorre um aumento do consumo e, com isso, é normal que exista uma pequena inflação local. Bizarramente, isso é positivo, proporcionando um dos instrumentos de autorregulação do benefício.
Quando alguém diz que "o cara vai receber a bolsa e não vai mais querer trabalhar", está ignorando que a economia é dinâmica: com a inflação local e o aumento do seu padrão de consumo, o poder de compra da bolsa para uma dada família vai cair com o tempo. Como o indivíduo pode trabalhar e receber a bolsa, com o tempo se torna mais interessante manter o emprego - que com o aquecimento da economia local tende a pagar melhor - do que a manutenção da bolsa - que tem valor fixo nacionalmente, não levando em conta as questões locais.
Isso pode acabar se tornando um caminho natural para a "porta de saída" da bolsa, depois de ter estimulado o desenvolvimento local.4
Na Política
Uma consequência curiosa - e que só me atentei para ela conversando com pessoas de local onde o coronelismo era muito forte - é que o Bolsa Família tirou poder das oligarquias locais, vulgarmente conhecidas como "famílias de coronéis".
Historicamente estas famílias dominavam a política local através da compra do voto com coisas pequenas e baratas: pares de chinelos, sacos de farinha, coisas que não lhes custavam nada, mas que lhes permitiam governar uma cidade ou estado, receber verbas federais e desviar recursos à vontade, pois o povo - mantido ignorante e necessitado - via neles salvadores que lhes permitiam beber água da chuva - captada em um açude construído em propriedade particular de político, usando verba pública - a um pequeno custo... ou até mesmo de graça... "como é bom nosso governante!"
Obviamente este problema não acabou com o Bolsa Família, mas aparentemente vem se reduzindo. A razão para isso é que, com aquela pequena ajuda, nestes locais muito pobres onde se comprava um voto com um par de chinelos, as pessoas não têm mais interesse em vender seus votos por essas coisas - agora elas conseguem comprar o saco de farinha, sem precisar implorar ou trocar favores - ou seja, sobrevivem de maneira mais digna.
Assim, comprar o voto tornou-se uma prática naturalmente mais cara - ou seja, o Bolsa Família inflacionou a compra de votos, dificultando ou até mesmo impossibilitando a prática. Com isso, abre-se espaço para uma possível diversificação no espectro político em várias localidades. Surgem novas lideranças locais, municipais, mudando a dinâmica política da região.
Ainda que isso pareça um pouco distante, de médio prazo ao menos, novas lideranças locais têm assumido no lugar de velhas famílias oligárquicas em muitos lugares, o que pode ter como um de seus fatores de influência justamente o Bolsa Família (embora dificilmente seja o único, é claro!).
Alguns podem alegar que deixou-se de vender votos localmente para se vender nacionalmente, uma vez que com o benefício o governo federal estaria comprando votos também. Mas é questionável a validade de se falar em um "coronelismo federal", dada o baixo contato entre povo e governo federal.5
Na Educação
Como o foco do Bolsa Família é na alimentação (faz parte do Programa Fome Zero) e a concessão da Bolsa exige a presença das crianças na escola6, ele contribui para uma melhoria na educação, embora não a garanta.
A combinação da presença e alimentação é importante porque ninguém aprende nada sem ir para a escola e, mesmo indo, não aprende se estiver com fome. Os efeitos da desnutrição na capacidade de aprendizado são vastos.
Infelizmente isso não é garantia, porque a educação básica em nosso país ainda é um tanto deficiente e, até o momento, por ser competência estadual e municipal, não há nada que o Governo Federal possa fazer a respeito.7
Na Saúde
Outra exigência para a concessão da Bolsa são os cuidados com a saúde da criança, regulamentado como exigência de vacinação, por exemplo. Bem alimentada e com orientações mínimas, as pessoas se mantém mais saudáveis e dependem menos do sistema público de saúde. Isso leva também a uma vida mais digna e traz mais motivação às pessoas.
EFEITOS DE TERCEIRA ORDEM
Os efeitos de terceira ordem são aqueles que decorrem da combinação dos efeitos de segunda ordem, além da universalização destes efeitos com o passar do tempo. Analisarei alguns deles.
Na Sociedade
Com todos os efeitos de segunda ordem citados, em especial a geração de condições de vida mais dignas nos mercados locais - dado o seu desenvolvimento -, ocorre a formação de uma consciência de cultura local e, também, a fixação das pessoas onde elas estão, gerando novos polos de desenvolvimento, produção e consumo.
Essa fixação é fundamental, uma vez que os grandes centros atuais não comportam mais crescimento populacional, já vivendo em uma condição de esgotamento de recursos (congestionamentos, falta de água, alto custo da alimentação, poluição, etc).
Fixando as pessoas em seu local de origem proporciona uma sociedade melhor distribuída, tornando a ocupação e o desenvolvimento nacional menos desigual, possibilitando acesso melhor distribuído aos recursos naturais de todas as regiões do país.
Na Política
Com o passar do tempo, as novas lideranças locais podem ser tornar novas lideranças regionais ou até mesmo nacionais. Essa renovação nas lideranças políticas é saudável para a democracia, proporcionando seu amadurecimento.8
Na Educação
Um efeito já apontado em algumas análises é que, à medida que as condições de vida das pessoas melhoram, com um crescimento do rendimento per capita, quando a renda do Bolsa Família passa a não ser mais tão importante na alimentação - mas ainda antes de se tornar dispensável -, ela passa a ser utilizada na aquisição de livros e material escolar.
Este efeito, já constatado em alguns locais9, proporciona, juntamente com outros fatores de segunda ordem, um grande ganho na capacidade de aprendizado dos estudantes, contribuindo para a formação de gerações mais formalmente educadas.
Na Saúde
Com alimentação, estudo e cuidados médicos básicos, temos um povo mais saudável; e um povo mais saudável é mais feliz, produz melhor e consome mais. Isso tudo já é ótimo para a nação.
Mais que isso, entretanto, os efeitos de longo prazo de políticas da mudança da cultura da população mais pobre - proporcionadas pelas exigências de concessão de bolsas do Bolsa Família -, podem formar gerações não apenas mais saudáveis, mas mais conscientes de sua própria saúde. E pessoas mais conscientes de sua saúde, em geral, cuidam dela, em um nível muito mais alto, como melhor alimentação, atividades físicas, etc.
EFEITOS DE QUARTA ORDEM
Os efeitos de quarta ordem são os benefícios intrínsecos da universalização dos efeitos de terceira ordem. Os que imagino mais imediatos são três.
O primeiro é a influência de todos estes fatores nos gastos públicos com saúde. Esta área pode se beneficiar extremamente de uma população mais saudável e bem educada, tanto no aspecto financeiro - menos gastos com saúde pública - quando econômico - com um menor número de pessoas solicitando o sistema público de saúde, aqueles que o solicitam podem ser melhor atendidos, com um investimento público potencialmente menor.
O segundo é que, com uma melhor educação, obviamente combinadas com outras políticas que venham melhorar a cultura dos alunos, teremos uma população mais culta, capaz de escolher melhor seus representantes políticos, buscando um equilíbrio entre renovação e experiência, rumando cada vez mais em direção a uma democracia madura sem manipulação de opiniões.
O terceiro é a influência de tudo isso nos gastos públicos com o próprio programa. Uma vez que a nossa população já ruma para uma estabilidade numérica e, com essa população cada vez mais educada, saudável e consciente, o número de famílias que precisam do Bolsa Família tende a ser cada vez menor.10
O Lado Negro
Nem tudo são flores, no entanto. Como estes efeitos só podem ser observados com a presença do programa em todo o país, os números de beneficiários são extremamente altos e, assim, o controle dos parâmetros de concessão ficam prejudicados. É praticamente impossível fazer um controle rígido sem que os custos do programa cresçam demasiadamente.
Ainda que evidentemente ocorram desvios - devido ao controle precário -, é bastante possível que estes desvios representem um valor financeiro bastante inferior ao custo que teria um controle mais apurado. Esta afirmação não vem meramente de uma eventual fiscalização ter um custo alto, mas também do fato que os valores movimentados individualmente são muito baixos. Para que quantias grandes sejam de fato desviadas, grandes esquemas precisam ser armados.
Contra "grandes esquemas", mesmo um controle menos sofisticado pode ser capaz de detectá-lo e, convém lembrar, principalmente na hipótese de "programa eleitoreiro para compra de votos" - como dizem alguns -, o governo seria o menor interessado em que exista desvio desta verba específica.
Adicionalmente, tanto o cadastro quanto o controle atuais são feitos pelos estados e municípios, que em grande parte não estão nas mãos dos mesmos partidos que o governo federal, o que dificulta ainda mais a formação de grandes esquemas sem que ninguém tenha conhecimento.
Moral da história: se ocorre desvio, é com o consentimento de todos; isso não torna a preocupação com os desvios menos importante, mas não serve de munição eleitoral contra o programa em si.
Conclusões
Diante do apresentado, afirmar simplesmente que se trata de um programa de esmolas é limitar demais o escopo de um programa que, sendo implantado de maneira generalizada como foi, pode trazer enormes transformações para um país - e, dentro de certos limites, já me parece estar trazendo, ainda que eles sejam pouco visíveis aqui em São Paulo.11
O conjunto de efeitos que o programa traz consigo, cada um deles potencializando fatores fundamentais para o desenvolvimento do país em todos os níveis humanos, aliado ao seu custo relativamente baixo aos cofres públicos, tornam o Bolsa Família não apenas um programa de sucesso momentâneo, mas também uma proposta de estratégia de médio e longo prazo que tem, no meu entender, boas chances de, em conjunto com outras políticas, modificar positivamente a sociedade brasileira.
No fim, fica até difícil dizer qual é o efeito colateral. Seria um programa "populista e eleitoreiro" que, por acaso, melhora a condição de vida da sociedade como um todo, ou será que é um programa que, por melhorar a condição de vida da sociedade, torna-se popular e com dividendos eleitorais óbvios?
Quando ainda não observaram como isso é bom para a vida de todos, alguns dizem que nós não temos que pagar (através dos impostos) um programa como esse, observando apenas os aspectos dos dividendos eleitorais.
Entretanto, esta visão é simplesmente um reflexo da educação míope que nos foi imposta. Fomos educados de maneira bizarra, do ponto de vista social, ensinados que o importante é acumular e, portanto, dividir é mau.
A questão é que muitas vezes é preciso dividir para somar12, ainda que a nossa criação - que define nossos preconceitos e medos - possa tornar dificultosa esta percepção. Nos limitamos a analisar os efeitos diretos, de curto prazo, de primeira ordem.
Porém, é preciso ir além. Desprezar efeitos de ordens superiores pode ser desastroso quando o propósito é planejar o futuro de uma nação.
ATUALIZAÇÃO!! O blog Tijolaço publicou um artigo, original do IG que mostra exatamente os efeitos que descrevo em plena ação. Vale a pena conferir!
(1) Um dia eu falo mais sobre isso e, claro, explico a minha visão política. Resumidamente é isso: assuntos técnicos são importantes demais para deixar na mão de políticos e assuntos políticos são importantes demais para serem deixados nas mãos de técnicos. Cada macaco no seu galho.
(2) Em todo caso, no meu entender, é desumano dizer simplesmente que "não temos que pagar por isso". Quem decidiu isso foi um governo democraticamente eleito pela maioria. Dizer que "não temos" que pagar (através dos impostos) os custos de uma política social do governo, é um desrespeito ao poder democraticamente concedido. Democracia é o poder da maioria das pessoas (demos, povo), não de quem tem a maioria do dinheiro.
(3) Nos grandes centros, o valor da bolsa não tem grandes efeitos, dado o alto custo de vida.
(4) É claro que vão existir aqueles que são, sim, vagabundos e vão ficar apenas com a bolsa... mas cedo aprendi que não adianta ajudar quem não quer ser ajudado; isso não significa, porém, que devemos deixar de ajudar àqueles que precisam e querem ajuda, com a justificativa de que existem pessoas que não querem a ajuda.
(5) Ainda que aparente uma roupagem de falta de ética, não se faz política de outra forma que não negociando benefícios a determinados grupos. E negociar com base em benefícios ao povo é tão legítimo como negociar com base em benefícios para grandes grupos estrangeiros. A escolha do grupo que o governo pretende beneficiar depende meramente do retorno que ele espera obter.
(6) Conforme artigo 3o. da Lei No. 10.836 de 9 de Janeiro de 2004.
(7) Além de propiciar vagas em excesso nas universidades, possibilitando baixo custo do ensino superior mesmo para pessoas com deficiências de formação básica. Infelizmente isso é uma medida de curto prazo para minimizar o problema, uma vez que não há como resolver de maneira ideal a situação de centenas de milhares de brasileiros que já perderam anos e anos de sua vida em uma educação básica absolutamente inadequada e ineficiente.
(8) "Alternância de poder" não é um termo de que eu goste, por que em geral leva a uma noção errada de troca entre esquerda e direita; não acho que uma nação precise passar um tempo andando para um lado e depois passar igual período de tempo andando para outro, pouco saindo do lugar, isto é, pouco indo adiante. Mais importante do que alternância de poder entre orientações políticas diferentes é a evolução da cultura política e dos políticos. Neste sentido, a chave para a evolução da democracia são novas lideranças, mais ligadas às necessidades do futuro que aos vícios do passado, sem desprezo do valor da experiência dos políticos mais velhos.
(9) O Google é seu amigo.
(10) Como alguém já comentou, é desnecessário aumentar em demasia o programa Bolsa Família (dobrá-lo, por exemplo), porque seria um contrassenso diante de todo o exposto aqui; para que fosse razoável dobrá-lo, seria necessário que se aumentasse a pobreza e a miséria do país, que é justamente o que se pretende combater com o programa. Se isso acontecesse, isto é, se a pobreza e miséria aumentasse mesmo com o programa já existente, isso significaria que o programa não funciona e, portanto, também não precisaria ser aumentado. Ainda que no curto prazo talvez possam ser necessários ajustes, com um leve aumento no número de bolsas concedidas, a tendência do programa Bolsa Família deve ser apenas a de queda neste número, ao menos quando se considera um horizonte de 5 a 10 anos.
(11) Aliás, diante da exposição deste texto, a "invisibilidade" das melhorias do Bolsa Família aqui em São Paulo já deve ser óbvia, dado o alto custo de vida. Isso para não falar que o governo do estado de São Paulo e, em especial, a Prefeitura do Município de São Paulo não foram capazes de - ou não se interessaram em - organizar a estrutura necessária para a criação do cadastro de requerentes e o órgão de controle do Bolsa Família por aqui.
(12) Algo tão óbvio quanto dizer que é preciso investir para poder ter lucro
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Após comentário feito por e-leitor, Guardafogo disponibiliza o sítio para leitura do Editorial da Revista 'Isto é' da semana 21-28/10/2011 (clique no link).