Breve: Louva-a-deus, um inseto mal compreendido

domingo, 19 de abril de 2015

Dia do Índio: combatendo etnocídio e PECs

Hoje é Dia do Índio, data criada em 1943 pelo presidente Getúlio Vargas.
É em tom de protesto que serão conduzidas as comemorações do Dia do Índio em todo país neste ano de 2015.
No último dia 16, mil e quinhentos índios ocuparam o plenário da Câmara dos Deputados para protestar contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 215, que transfere do Governo Federal ao Congresso as decisões sobre a demarcação das terras indígenas.
A luta dos povos originários pelo direito à terra continua mesmo a mais de 500 anos após os portugueses iniciarem o processo de espoliação do território brasileiro.
Os indígenas, com o apoio da população quilombola, camponeses, sem-terras, pequenos agricultores e ativistas, estão fazendo mobilizações nacionais para impedir que as conquistas asseguradas na Constituição sejam violada pelas manobras dos novos 'senhores da terra', que agora utilizam o Congresso para defender seus interesses.
Protestos 
A representante dos povos indígenas do Brasil, Sonia Guajajara, repudiou a mudança proposta, que daria ao Congresso a oportunidade de aprovar ou rejeitar as demandas encaminhadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Segundo ela, "o interesse próprio não pode ser maior que o respeito aos povos originários deste país. Os parlamentares devem assegurar os direitos  e a memória de nossos ancestrais".
Está clara uma grande articulação da bancada ruralista para assumir esta responsabilidade, o que representa uma grave ameaça aos direitos dos povos indígenas. Nota-se isso perfeitamente até aqui nesta Região Oeste do Paraná, onde os Presidentes de Sindicatos Rurais Patronais compram largos espaços na imprensa escrita e falada de nossas cidades, onde podem destilar seu veneno e derramar seu ódio falando horrores sobre a 'inutilidade' dos indígenas.
Transferindo ao Legislativo a competência final para aprovar a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e ratificar as demarcações já homologadas, a bancada ruralista ardilosamente fará com que os processos de demarcação fiquem paralisados no Congresso, o que tornaria ainda mais agudos os conflitos rurais já existentes.
Raoni e outros indígenas defendem seus direitos no Parlamento
(Fonte: Revista Caros Amigos)
Sem a garantia de viverem em seus territórios tradicionais, frequentemente ocorrem conflitos por causa de pequenas áreas habitadas  por estas comunidades. Um levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) aponta que 616 índios foram assassinados entre 2003 e 2013 no Brasil, uma média de 56 mortes por ano! Normalmente isso ocorre por pressão de populações não índias para que os índios deixem as terras ocupadas.
Do total de mortes ocorridas na década estudada, 55%, ocorreram no Mato Grosso do Sul, uma das maiores fronteiras agrícolas do país. Em abril de 2013, uma criança caigangue foi sequestrada da Reserva Palmeirinha, em Chopinzinho, Sudoeste do Paraná. Testemunhas viram um homem branco parar o carro na RR-373, oferecendo doces. Assim que o menino entrou no carro, seguiu viagem. O corpo foi encontrado 15 dias depois. Devido condições precárias e outras adversidades, o estudo aponta também um alto índice de suicídios entre os índios. O relatório aponta 26 casos em que índios tiraram a própria vida, e mais 8 que tentaram se matar.

Títulos nulos
O problema das demarcações certamente remonta a governos anteriores que concederam a fazendeiros títulos sobre territórios indígenas. Embora o efeito do título seja nulo, os fazendeiros conseguem impedir a demarcação 'empurrando' o caso no Judiciário com a ajuda de inúmeras liminares. Isso vem acontecendo desde a época do Estado Novo, quando o governo concedia títulos dentro de terras indígenas.
Só no estado do Mato Grosso do Sul vivem cerca de 50 mil índios Guaranis. Apesar de representam aproximadamente 10% da população rural do Estado, desejam apenas 2,5% das terras. Não possuem, porém, nem 0,5%.

Projeto de Lei 227
Se tudo isso não bastasse, paira ainda sobre as ocas a sombra do PL 227, proposto em 2012 pelo deputado Homero Pereira (PSD-MT), que descentraliza da Funai a determinação exclusiva da delimitação territorial. O documento pretende criar novas comissões avaliadoras que incluam proprietários de terras. Ao tramitar pela Comissão de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural da Câmara, sem nenhum debate com a sociedade, o projeto -- que já era anti-indígena desde sua criação -- teve sua redação completamente alterada. A nova escrita toma de assalto o artigo 231 da Constituição Federal, que trata dos direitos indígenas. Em seu primeiro artigo, já prevê um vasto leque de atividades que poderão ser praticadas nas terras indígenas, como campos de treinamento militar, construção de hidrelétricas, rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, oleodutos, gasodutos e outros.

Violação dos direitos
Há uma série de instrumentos legislativos manejados pelos ruralistas para destruir os direitos dos povos indígenas. É o caso da Portaria 303, da Advocacia Geral da União (AGU), que amplia para os demais territórios indígenas os critérios usados pela Corte no caso específico em que o Superior Tribunal Federal (STF) julgou os embargos de declaração sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol (Roraima).
Acontece que, quando esta ação foi julgada, o Tribunal estabeleceu 19 condicionantes a serem verificadas nas demarcações, entre as quais a que autoriza intervenções da Política de Defesa Nacional, a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal, além de restringir o usufruto exclusivo dos índios sobre suas terras. A maioria dos Ministros, no entanto, decidiu que este entendimento não tem efeito vinculante, ou seja, não seria aplicado automaticamente em outros tribunais para outras terras indígenas.
A mais alta corte do Poder Judiciário brasileiro, o STF, decidiu que as condicionantes valem somente para o caso julgado, no entanto o Poder Executivo, por meio da AGU, ao dar vigência à Portaria 303/2012, estabelece esta vinculação das ditas condicionantes a todas as terras indígenas do Brasil.
Trata-se de uma decisão política que desrespeita e atenta contra decisão do STF, determinando práticas na atuação dos Advogados da União, inclusive em processos judiciais que envolvem disputas fundiárias relativas ao direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais.
Em notícia veiculada pelo Cimi, "a vigência da Portaria é injustificável e  altamente prejudicial aos povos indígenas. Em respeito à decisão do STF e aos direitos destes povos, é fundamental que a mesma seja imediata e definitivamente revogada pelo governo federal."
Além de pedirem a revogação da portaria, os índios querem inclusive a exoneração do ministro Luís Inácio Adams. Depois de um constante revoga-e-volta, a Portaria 303 está em vigor, de fato e de direito, desde o dia 05 de fevereiro de 2014, o que foi intensamente comemorado pela então senadora e principal líder da bancada ruralista no Congresso Kátia Abreu (PSD-TO), anti-indigenista de carteirinha.

Mais Conflitos?
As desapropriações de imóveis por interesse social estão quase que paralisadas no governo atual, o que não atinge apenas os populações indígenas. De acordo com o Observatório Quilombola, há pelo menos 2 mil comunidades tentando reconhecimento. O Governo Dilma acabou se tornando refém de sua base conservadora, que se articula sob a lógica do crescimento econômico a qualquer preço.
Disfarçados sob a denominação 'legal' de Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), os ruralistas compõe hoje a maior bancada do Congresso Nacional, com 26% dos senadores e 22% dos deputados.
Em sua tese de Mestrado Questão Agrária e a Bancada Ruralista no Congresso Nacional*, a pesquisadora da Universidade de São Paulo, Sandra Helena Gonçalves Costa levantou dados de 374 deputados e senadores, concluindo que 30% dos deputados estudados são pecuaristas.
Mas, pior que isso, dentre os ruralistas empresários, sete deles formam grandes grupos empresariais familiares ligados a áreas da produção industrial e agrícola, articulados com o processo de produção de commodities. São os grupos: Sperafico, Andre Maggi, Mabel, Itapemirim, Newton Cardoso, Carlos Lyra e Paulo Lima. A pesquisa também mostra que destes 374 deputados, somente 23 não tinham nenhuma ligação empresarial com o agronegócio, os outros 351 declararam possuir juntos 863.646,53 hectares.
É o tipo de projeto agrário que vem se consolidando no país. De um lado, o agronegócio e o capitalismo global, com grande representatividade no Congresso, e do outro lado, a agricultura familiar e os menos favorecidos que parece que estão fadados e ser excluídos desse processo.

Reação indígena
Como as demarcações que ainda restam estão em áreas de conflito com ruralistas e mineradoras e são tratadas com uma certa omissão e letargia pelo governo, a gestão Dilma possui o recorde negativo de terras indígenas demarcadas desde a redemocratização. 
O governo brasileiro bem que tentou esconder, mas lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) levaram ao Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), na tarde de 24 de abril último, em Nova York (EUA), a realidade das comunidades país afora. Lindomar Terena leu uma carta da Apib dirigida à mesa diretora do Fórum (leia a carta na íntegra). A repercussão do pronunciamento foi tamanha que virou debate.
De cocar, Lindomar Terena. Atrás dele, de gorro rosa, Sônia Guajajara. (Foto: MNI)


A carta gerou protestos de representantes do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, que enviou uma comensal para rebater no Plenário . “O nosso pronunciamento gerou um debate de 30 minutos. O governo respondeu a carta dizendo que a realidade dos povos indígenas é difícil em todo o mundo e desafiou os demais países a apresentarem números maiores de demarcações de terras indígenas. Disse ainda que reconhece os problemas, mas que estão trabalhando para a solução", afirma Sônia Bone Guajajara, da Apib, presente no Fórum.


* Se você usa o programa Dropbox, pode acessar a tese na íntegra clicando AQUI. O trabalho é muito bom, abordando as relações de poder em torno do patrimônio, parentesco e política que resultam na acumulação de bens, e também os desdobramentos históricos da formação da propriedade privada da terra no Brasil.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Alimentos Transgênicos, uma nova era

Ricardo Alexius*
Os transgênicos são produtos criados pela engenharia genética a partir da introdução de genes de determinados organismos em outros seres vivos, que jamais se cruzariam naturalmente. Essa nova tecnologia permite, por exemplo, introduzir um gene humano numa ovelha, ou um gene de peixe, bactéria ou de vírus em espécies de soja, milho ou tomate.
Empresas denominadas de biotecnologia passaram a desenvolver plantas e animais através destas modificações, visando alterar certas características, como por exemplo um aumento de produtividade, ou então maior resistência à seca, o que é muito bom.
Ocorre, porém, que estas poderosas multinacionais, visando seus próprios interesses, realizaram trabalhos de modificação genética principalmente no intuito de multiplicar seus lucros. Note-se que as detentoras da patente destas sementes são também produtoras de agrotóxicos e, pasme, de medicamentos.
Desde 1999, foi forçada no Brasil a introdução da soja Roundup Ready. A transnacional Monsanto se impôs, mesmo com a legislação brasileira impedindo o cultivo. Os estudos de alimentação de ratos com transgênicos, que causou a morte prematura de 50% dos machos e 70% das fêmeas, foi camuflado.
Os argumentos dos defensores dos cultivos transgênicos anunciaram a elevação das exportações e o combate à fome. Aos agricultores foi prometida muita coisa: a produtividade aumentaria, a resistência das plantas ao herbicida reduziria o uso de agrotóxicos, diminuindo os custos e aumentando os lucros, dando de brinde inestimáveis benefícios ao ambiente, melhorando a qualidade dos alimentos. Ledo engano!
O aumento da produtividade não foi verificado. Quanto à diminuição do uso de agrotóxicos, não houve engano, mas sim uma grande farsa premeditada. Hoje sabemos que os agricultores, ludibriados por técnicos comissionados, compram sementes de milho transgênico Bt que têm um preço cinco vezes maior que o convencional e têm de fazer três aplicações de veneno para controlar a lagarta do cartucho. Este milho, segundo os técnicos, deveria ser resistente a esta praga.
Portanto, houve, sim, um aumento. Houve aumento no consumo de pesticidas, no custo de produção, e nos lucros dos fabricantes e vendedores dos produtos químicos.
As promessas de maiores ganhos ao plantador também se foram... junto com as promessas de alimentos e um meio ambiente mais saudáveis.
Com os transgênicos, entramos numa nova era. Uma era em que não sabemos mais o que comemos. Uma era em que você não sabe por que o seu animalzinho de estimação fica frequentemente doente. Uma era em que você acredita que aquela irritação nasal é mudança climática... justamente na época da florada do milho transgênico. Uma era em que um familiar seu está sendo tratado de câncer, e você acredita que ele tinha “propensão genética” para isso, pois você já perdeu outro familiar por causa do câncer!

*Zootecnista - Especialista em Ciências e Educação Ambiental - Medianeira, PR

Artigo publicado no Jornal Nossa Folha, de Medianeira, PR, 28/05/2014, página 6.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Mais uma da Veja: em defesa dos agrotóxicos

Reportando-se à edição de 4 de janeiro de 2010, de um dos maiores panfletos do Partido da Imprensa Golpista, a Associação Brasileira de Agroecologia emitiu um manifesto em forma de 'carta à revista'.
Este Blog socializa o conteúdo da missiva:

Prezado Diretor de Redação, 

Referentemente à matéria de Veja, da edição de 4 de janeiro de 2012, sobre o tema dos agrotóxicos, chamou-nos primeiramente a atenção o tratamento parcial e tendencioso dado ao assunto, uma vez que se trata de um tema controverso, mesmo nos meios científicos, e que recebeu apenas o veredito de profissionais com legitimidade e isenção questionáveis, considerando que é possível que alguns representem, eles próprios, um comprometimento com a indústria de agrotóxicos, a qual é, obviamente, parte interessada na venda desses produtos. Ademais, soa como prepotente, para dizer o mínimo, a Revista tentar apresentar-se como dona da verdade em um tema sensível e controverso como esse. Por uma questão de imparcialidade e ética, o que se esperaria é que a matéria concedesse também amplo espaço para o contraditório.
Da mesma forma, foi visível a falta de senso crítico das jornalistas, que não questionaram os “conceitos” que alguns entrevistados convenientemente tentaram afirmar como sendo “modernos”, como ocorreu, já no início da matéria, em relação ao nome “Defensivos Agrícolas” em vez de agrotóxicos. Cabe esclarecer que o termo agrotóxico é definido de acordo com a LEI Nº 7.802, DE 11 DE JULHO DE 1989, que considera “agrotóxicos e afins:
a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos;
b) substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento.”

Fica claro que o termo adequado, definido por lei, para referir-se a quaisquer dos produtos acima mencionados é agrotóxico, ainda que a indústria e as entidades que representam seus interesses insistam em usar, eufemisticamente, o termo defensivos agrícolas.
Inseticidas, fungicidas, herbicidas, formicidas, etc, já carregam em seus nomes o princípio básico de sua ação: a função “cida”, sufixo originário do latim, caedere que significa matar. Não é a toa que quase todos levam em seus rótulos uma CAVEIRA com as tíbias cruzadas e a inscrição "VENENO".
Sobre a afirmação de que “o Brasil é um dos países mais rigorosos no processo de registro de agrotóxicos” e que “os produtos disponíveis no mercado são seguros", não é isso que se constata na prática, uma vez que existem diversos casos de formulações de agrotóxicos que são proibidas em dezenas de países, e permanecem, no entanto, com seu uso liberado no Brasil, como é o caso do Endossulfan, do Metamidofós e do Acefato, encontrados pela Anvisa em vários alimentos, como o pepino, pimentão, tomate, alface, cebola e cenoura. Cabe registrar e reconhecer o esforço realizado pela Anvisa para monitorar os resíduos de agrotóxicos nos alimentos, além de fiscalizar os abusos cometidos na comercialização e uso desses produtos.
No caso do Endossulfan, trata-se de um princípio ativo proibido em mais de 50 países, inclusive nos 27 da Comunidade Europeia, na qual está proibido desde dezembro de 2005 e continua sendo comercializado livremente no Brasil (embora tenha tido sua fabricação proibida recentemente no Brasil desde 12-09-2010, a sua comercialização está permitida até 2012). A proibição de seu uso nos outros países deve-se ao fato do mesmo apresentar graves riscos ao meio ambiente e à saúde humana, podendo causar, entre outros, efeitos carcinogênicos, imunotoxidade e neurotoxidade. Além destas, outros produtos são causadores de patologias de pele, teratogênese, desregulação endócrina, efeitos na reprodução humana e no sistema imunológico.
A reportagem afirma, de forma irresponsável, que “não existe comprovação científica de que o consumo a longo prazo ... provoque problemas graves em seres humanos”. Segundo Faria et al. (2007)1, publicações da Organização Internacional do Trabalho/Organização Mundial da Saúde (OIT/OMS) estimam que, entre trabalhadores de países em desenvolvimento, os agrotóxicos causam anualmente 70 mil intoxicações agudas e crônicas que evoluem para óbito, e pelo menos 7 milhões de casos com doenças agudas e crônicas não fatais. Isso representa, sem dúvida, elevados custos para a saúde humana e ambiental. Segundo Rigotto (2011)2, ainda segundo a OMS, para cada caso de intoxicação por agrotóxicos diagnosticado e notificado, existem pelo menos 50 casos não notificados.
1. Ciência & Saúde Coletiva, 12(1):25-38, 2007. 
2. Raquel Rigotto, entrevista a Caros amigos, dezembro de 2011. 

Apesar de vários produtos serem proibidos em diversos países, há fortes pressões do agronegócio para mantê-los autorizados no Brasil e, embora estejam em reavaliação, continuam sendo importados em larga escala pelo país.
Deformação causada pelo contato com agrotóxico na gravidez
A questão do estabelecimento de limites permitidos de resíduos de agrotóxicos em alimentos é bastante complexa. Sabemos que o estabelecimento de “níveis seguros” de venenos que poderíamos ingerir todos os dias é uma falácia. Nenhum estudo laboratorial pode comprovar com toda certeza que determinado nível de veneno é inócuo para a saúde das pessoas. Estudos feitos com cobaias sugerem que certos níveis de resíduo parecem não produzir efeitos colaterais, até que o surgimento de técnicas mais modernas ou novas evidências científicas provem o contrário. Para alguns especialistas, a determinação de limites aceitáveis de resíduos representa, na verdade, a “legalização da contaminação”.
O lobby das empresas produtoras de agrotóxicos é evidente, como se pode perceber pelo gritante exemplo da alteração do limite permitido de resíduos de glifosato para que a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) pudesse liberar a soja transgênica no Brasil. Em 1998 a Anvisa alterou o limite permitido de resíduos de glifosato em soja, aumentando-o em 10 vezes! Ele passou de 0,2 ppm (partes por milhão) para 2,0 ppm. Mas em 2004 o limite do veneno na soja aumentou ainda mais: foi para 10 ppm, ou seja, 50 vezes maior que o limite inicialmente permitido.
Os níveis de contaminação por agrotóxicos vão muito além dos registros de resíduos em alimentos. As águas dos rios e aquíferos estão contaminadas por venenos agrícolas. Na Chapada do Apodi no Ceará, a água que sai das torneiras tem até 12 tipos de veneno. O aquífero Jandaíra, localizado sob parte do Ceará e do Rio Grande do Norte está sendo contaminado pelos venenos utilizados na produção de banana e abacaxi. O famoso aquífero Guarani está também sendo contaminado por agrotóxicos. Os alimentos, o ar, as chuvas e até mesmo o leite materno estão contaminados de venenos provenientes das aplicações maciças nas regiões onde o agronegócio impera, como ficou constatado no Mato Grosso. Em março de 2011 foi divulgada amplamente a contaminação em leite materno com agrotóxicos, no município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, região dominada pela produção de soja e do milho transgênicos.3 

3. Fonte: LONDRES, F. e MONTEIRO, D. Agrotóxicos no Brasil: um guia para ação em defesa da vida. RJ, 2011 
4. Em: Agência de Informação Embrapa, Agricultura e Meio Ambiente. Qualidade Dinâmica e Riscos de Contaminação.

A reportagem também erroneamente afirma: “período de carência é o intervalo mínimo entre o uso do pesticida e a colheita”, no entanto, a definição correta de período de carência ou intervalo de tempo, em dias, é o tempo que deve ser observado entre a aplicação do agrotóxico e a colheita do produto agrícola para que o alimento colhido não possua resíduos dos agrotóxicos em níveis superiores aos limites máximos estabelecidos pela ANVISA. Continua a reportagem: “tempo em que o defensivo se degrada e perde sua toxicidade para os seres humanos”. Isto é uma inverdade. A pressuposta degradação ou ausência de agrotóxicos nos alimentos não significa que os problemas tenham desaparecido, pois existem os metabólitos que podem estar presentes. As consequências ambientais e para a saúde, em função de uma aplicação que deixou residual, podem permanecer por muito tempo. Segundo Spadotto & Gomes4 “determinados produtos químicos são rapidamente decompostos no solo, enquanto outros não são degradados tão facilmente. Algumas moléculas são moderadamente persistentes e seus resíduos podem permanecer no solo durante um ano inteiro, outras podem persistir por mais tempo. No ambiente aquático, além da hidrólise e da fotólise, os agrotóxicos podem também sofrer a degradação biológica e, ainda, a bioacumulação e a biomagnificação (bioacumulação em níveis elevados da cadeia trófica), diferenciando apenas os microrganismos nesse ambiente em relação àqueles presentes no solo”. E mais, advertem que além dos riscos da molécula original, os metabólitos ou produtos de degradação dos agrotóxicos apresentam toxicidade e ecotoxicidade com enormes diferenças em relação à molécula-mãe.
Alguns destes produtos de degradação podem ser inclusive muito mais tóxicos que o ingrediente ativo original. A título de exemplo, pode ser citado o glifosato, que produz o ácido aminometil fosfônico (AMPA) como primeiro metabólito, que por sua vez produz outros que ainda não são investigados e que podem ser mais tóxicos para a cadeia trófica. Além desse, há o exemplo clássico do DDT que ao perder uma molécula de HCl, por degradação biológica ou ambiental, forma o metabólito conhecido como DDE, que é ainda mais resistente às degradações que o DDT.
Cabe lembrar que não é por acaso que o Brasil é considerado o campeão mundial de consumo de agrotóxicos, atingindo a incrível marca de 5,7 litros por habitante/ano.
Esse dado foi, estranhamente, esquecido ou, o que é mais grave, ignorado intencionalmente pelas jornalistas, que conseguiram fazer uma matéria que destacou apenas um lado da questão, o dos “benefícios” supostamente decorrentes do uso de agrotóxicos. Lamentamos essa postura, profundamente comprometedora para uma revista que se pretende séria e, ironicamente, se intitula como “indispensável”. Perdem com isso os leitores da revista e perde, ainda mais, a sociedade brasileira, pelo nível superficial, pouco sério e, sobretudo, tendencioso como um tema tão importante como esse foi tratado na referida matéria. 

Atenciosamente, 

Associação Brasileira de Agroecologia"

domingo, 27 de novembro de 2011

Desabafo de um Agricultor do Oeste do Paraná

A família dos Guerini voltou do Paraguai em 2001, após alguns anos de agricultura convencional nas terras que lá estavam sendo “desbravadas”. Decidiram manter-se na agricultura porque é a atividade que amam e o que sabem fazer. Para isso, buscaram uma área vizinha ao Parque Nacional do Iguaçu, município de São Miguel do Iguaçu, tendo em mente um projeto de agricultura orgânica.
Mas, por diversos motivos, a ideia acabou não se viabilizando como planejado. A zona de amortecimento de impacto no entorno de unidades de conservação caiu de 10 km para 500 metros para o plantio de soja transgênica.
As sementes convencionais registradas eram compradas e plantadas como convencionais, mas já vinham contaminadas. O produtor prejudicado ainda corria o risco de ser penalizado por ter plantado sementes transgênicas na margem do parque e sem pagar o royalty cobrado pelas empresas. “As sementeiras não sofrem nenhuma penalização por vender sementes contaminadas, o agricultor sim”, denuncia.

O Guardafogo deseja compartilhar com seus leitores uma carta enviada por um agricultor do oeste do Paraná à AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, e publicada no seu site.
Ele se sente “encurralado” por querer manter-se fora do sistema imposto pelas empresas de transgênicos e seguir produzindo suas próprias sementes.

Leia a carta na íntegra:

Encurralar: meter em curral, encantoar em local sem saída, sem opção de escolha, perda da liberdade… é assim que está o agricultor que não deseja aderir ao plantio de organismos geneticamente modificados, no meu caso a soja e o milho.
Gostaria que me permitissem um desabafo.
A agricultura, atividade milenar que fixou o homem tirando-o do nomadismo, criou a possibilidade da civilização se desenvolver, é a pedra angular na produção de alimentos para a humanidade. Hoje é uma atividade controlada.
A produção de alimentos é entendida, ou pelo menos deveria ser entendida pelos governantes de um país, como um ponto estratégico, segurança alimentar.
A nação que se auto sustenta na produção de alimentos tem uma vantagem óbvia em relação às que não forem capazes. Mas, pelo que tudo indica, nossos governantes (eu me refiro em especial aos parlamentares, congressistas que compõem a bancada ruralista) não estão dando importância para auto sustentabilidade e segurança alimentar da nação. Se eu pudesse gostaria de fazer algumas perguntas a esses parlamentares que me referi acima:
Por que depender de uma tecnologia criada por um concorrente que tem por principal objetivo o controle sobre as sementes e os agricultores e o controle sobre a produção de alimentos no mundo?
Por que deixar corporações estrangeiras ditarem as regras de um setor tão importante?
Será que com todos os cientistas e mentes brilhantes que temos aqui no Brasil não seria possível encontrar uma outra solução para os problemas enfrentados pela agricultura além dessa proposta dos organismos geneticamente modificados?
Do agricultor foram tirados todos os direitos básicos elementares de optar por um ou por outro sistema de produção, de poder guardar as suas sementes, a liberdade de escolha.
Além do agricultor ter que arcar com o risco das intempéries, das mudanças climáticas e de toda má sorte que pode ocorrer desde o plantio até a colheita, ele é jogado no covil desses leões famintos que são essas mega corporações que estão nos empurrando para um brete sem saída. E o pior, com o aval de quem deveria nos proteger.
Quem deveria nos proteger são os representantes do setor agrícola no congresso. Criando leis, mecanismos que impeçam essas corporações de fazer o que bem entendem, de fazer com que o agricultor fique cada vez mais dependente, mais endividado, mais impotente, mais desesperado, mais sem saída.
Afinal, bancada ruralista, a quem vocês estão representando mesmo?
Grato pela atenção,
Silvio Guerini”

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

China - O Dragão está despertando

"Deixem a China dormir, porque quando ela acordar, o mundo vai estremecer". (Napoleão Bonnaparte)
Há 200 anos, Napoleão Bonnaparte fez esta profecia, que parece estar começando a realizar-se.
A China do Futuro é hoje!
O Futuro é hoje!
A verdade é que agora, tudo o que compramos é 'Made in China'. 

Mas quem liga para esse aviso? 

Atualmente, nesta nossa ânsia por novidades, ninguém!
O lema agora é aproveitar... Só aproveitar!
E depois, como será para os nossos filhos? 
Como ficará a China no futuro?

Este sôfrego blogueiro repassa ensaio do diretor de marketing da Dana, jornalista Luciano Pires, com pequenos adendos de próprio punho:
Complexos industriais: imposição de disciplinas rígidas
Alguns conhecidos voltaram da China impressionados.
Um determinado produto que o Brasil fabrica na razão de um milhão de unidades, uma só fábrica chinesa produz quarenta milhões.

A qualidade já é equivalente. E a velocidade de reação é impressionante.

Os chineses colocam qualquer produto no mercado em questão de semanas, com preços que são uma fração dos praticados aqui.

Lá dentro, trabalho, trabalho, trabalho, nada de papo!
Uma das fábricas está de mudança para o interior, pois os salários da região onde está instalada estão altos demais: 100 dólares.

Um operário brasileiro equivalente ganha 300 dólares, no mínimo, que acrescidos de impostos e benefícios representam quase 600 dólares.

Quando comparados com os 100 dólares dos chineses, que recebem praticamente zero de benefícios, estamos perante uma escravatura amarela e ajudamos a alimentá-la.

Horas extras? Na China? Esqueça!!!

O pessoal por lá é tão agradecido por ter um emprego que trabalha horas extras sabendo que não vai receber nada por isso. E ainda não falamos sobre trabalho infantil, que deve ser um capítulo à parte...
Trabalho Infantil na Microsoft
Atrás dessa 'postura' está a grande armadilha chinesa.

Não se trata de uma estratégia comercial, mas sim de uma estratégia 'de poder' para ganhar o mercado ocidental.
Os chineses estão tirando proveito da atitude dos famigerados 'marqueteiros' ocidentais, que preferem terceirizar a produção, ficando apenas com o que ela 'agrega de valor': a marca. Pensam que estão lucrando com isso.
Dificilmente você adquire hoje nas grandes redes comerciais dos Estados Unidos um produto 'Made in USA', ou no Brasil um produto 'Made in Brazil'.

É tudo "Made in China", com rótulo estadunidense ou brasileiro, respectivamente.
As Empresas ganham rios de dinheiro comprando dos chineses por centavos e vendendo por centenas de dólares ou reais.

Apenas lhes interessa o lucro imediato e a qualquer preço, mesmo ao custo do fechamento das suas fábricas e do brutal desemprego norte-americano. É o que pode-se chamar de "estratégia preçonhenta".

Enquanto os ocidentais terceirizam as táticas e ganham no curto prazo, a China assimila essas táticas e cria unidades produtivas de alta performance, para dominar no longo prazo.
Enquanto as grandes potências mercadológicas que ficam com as marcas, com os designes, suas grifes, os chineses estão ficando com a produção, assistindo, estimulando e contribuindo para o desmantelamento dos já poucos parques industriais ocidentais.
Em breve, por exemplo, já não haverá mais fábricas de tênis ou de calçados pelo mundo ocidental. Só haverá na China.
Então, num futuro próximo veremos os produtos chineses aumentando os seus preços, produzindo um 'choque da manufatura', como aconteceu com o choque petrolífero nos anos setenta. Aí já será tarde demais.

Dimensões incalculáveis...
Então o mundo perceberá que reerguer as suas fábricas terá um custo proibitivo e irá render-se ao poderio chinês.
Perceberá que alimentou um enorme dragão e acabou refém do mesmo.

Dragão este que aumentará gradativamente seus preços, já que será ele quem ditará as novas leis de mercado, pois será quem manda, terá o monopólio da produção.
Sendo ela, e apenas ela, quem possuirá as fábricas, inventários e empregos é ela quem vai regular os mercados e não os 'preçonhentos'. Nesta estratégia pode estar inserida a intenção de remunerar melhor a mão de obra (hoje quase escrava), melhorando a qualidade de vida a nível nacional.
Iremos, nós e os nossos filhos e netos, assistir a uma inversão das regras do jogo atual que terão nas economias ocidentais o impacto de uma bomba atômica... chinesa.
Confinamento
Nessa altura em que o mundo ocidental acordar, será muito tarde.
Nesse dia, os executivos 'peçonhentos' olharão tristemente para os esqueletos das suas antigas fábricas, para os técnicos aposentados jogando baralho no boteco da esquina, e chorarão sobre as sucatas dos seus parques fabris desmontados.
E então lembrarão, com muitas saudades, do tempo em que ganharam dinheiro comprando "balatinho dos esclavos" chineses, vendendo caro suas "marcas-grifes" aos seus conterrâneos.
E então, entristecidos, abrirão suas 'marmitas' e almoçarão as suas marcas que já deixaram de ser moda e, por isso, deixaram de ser poderosas pois foram todas copiadas.