Breve: Louva-a-deus, um inseto mal compreendido

domingo, 19 de abril de 2015

Dia do Índio: combatendo etnocídio e PECs

Hoje é Dia do Índio, data criada em 1943 pelo presidente Getúlio Vargas.
É em tom de protesto que serão conduzidas as comemorações do Dia do Índio em todo país neste ano de 2015.
No último dia 16, mil e quinhentos índios ocuparam o plenário da Câmara dos Deputados para protestar contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 215, que transfere do Governo Federal ao Congresso as decisões sobre a demarcação das terras indígenas.
A luta dos povos originários pelo direito à terra continua mesmo a mais de 500 anos após os portugueses iniciarem o processo de espoliação do território brasileiro.
Os indígenas, com o apoio da população quilombola, camponeses, sem-terras, pequenos agricultores e ativistas, estão fazendo mobilizações nacionais para impedir que as conquistas asseguradas na Constituição sejam violada pelas manobras dos novos 'senhores da terra', que agora utilizam o Congresso para defender seus interesses.
Protestos 
A representante dos povos indígenas do Brasil, Sonia Guajajara, repudiou a mudança proposta, que daria ao Congresso a oportunidade de aprovar ou rejeitar as demandas encaminhadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Segundo ela, "o interesse próprio não pode ser maior que o respeito aos povos originários deste país. Os parlamentares devem assegurar os direitos  e a memória de nossos ancestrais".
Está clara uma grande articulação da bancada ruralista para assumir esta responsabilidade, o que representa uma grave ameaça aos direitos dos povos indígenas. Nota-se isso perfeitamente até aqui nesta Região Oeste do Paraná, onde os Presidentes de Sindicatos Rurais Patronais compram largos espaços na imprensa escrita e falada de nossas cidades, onde podem destilar seu veneno e derramar seu ódio falando horrores sobre a 'inutilidade' dos indígenas.
Transferindo ao Legislativo a competência final para aprovar a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e ratificar as demarcações já homologadas, a bancada ruralista ardilosamente fará com que os processos de demarcação fiquem paralisados no Congresso, o que tornaria ainda mais agudos os conflitos rurais já existentes.
Raoni e outros indígenas defendem seus direitos no Parlamento
(Fonte: Revista Caros Amigos)
Sem a garantia de viverem em seus territórios tradicionais, frequentemente ocorrem conflitos por causa de pequenas áreas habitadas  por estas comunidades. Um levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) aponta que 616 índios foram assassinados entre 2003 e 2013 no Brasil, uma média de 56 mortes por ano! Normalmente isso ocorre por pressão de populações não índias para que os índios deixem as terras ocupadas.
Do total de mortes ocorridas na década estudada, 55%, ocorreram no Mato Grosso do Sul, uma das maiores fronteiras agrícolas do país. Em abril de 2013, uma criança caigangue foi sequestrada da Reserva Palmeirinha, em Chopinzinho, Sudoeste do Paraná. Testemunhas viram um homem branco parar o carro na RR-373, oferecendo doces. Assim que o menino entrou no carro, seguiu viagem. O corpo foi encontrado 15 dias depois. Devido condições precárias e outras adversidades, o estudo aponta também um alto índice de suicídios entre os índios. O relatório aponta 26 casos em que índios tiraram a própria vida, e mais 8 que tentaram se matar.

Títulos nulos
O problema das demarcações certamente remonta a governos anteriores que concederam a fazendeiros títulos sobre territórios indígenas. Embora o efeito do título seja nulo, os fazendeiros conseguem impedir a demarcação 'empurrando' o caso no Judiciário com a ajuda de inúmeras liminares. Isso vem acontecendo desde a época do Estado Novo, quando o governo concedia títulos dentro de terras indígenas.
Só no estado do Mato Grosso do Sul vivem cerca de 50 mil índios Guaranis. Apesar de representam aproximadamente 10% da população rural do Estado, desejam apenas 2,5% das terras. Não possuem, porém, nem 0,5%.

Projeto de Lei 227
Se tudo isso não bastasse, paira ainda sobre as ocas a sombra do PL 227, proposto em 2012 pelo deputado Homero Pereira (PSD-MT), que descentraliza da Funai a determinação exclusiva da delimitação territorial. O documento pretende criar novas comissões avaliadoras que incluam proprietários de terras. Ao tramitar pela Comissão de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural da Câmara, sem nenhum debate com a sociedade, o projeto -- que já era anti-indígena desde sua criação -- teve sua redação completamente alterada. A nova escrita toma de assalto o artigo 231 da Constituição Federal, que trata dos direitos indígenas. Em seu primeiro artigo, já prevê um vasto leque de atividades que poderão ser praticadas nas terras indígenas, como campos de treinamento militar, construção de hidrelétricas, rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, oleodutos, gasodutos e outros.

Violação dos direitos
Há uma série de instrumentos legislativos manejados pelos ruralistas para destruir os direitos dos povos indígenas. É o caso da Portaria 303, da Advocacia Geral da União (AGU), que amplia para os demais territórios indígenas os critérios usados pela Corte no caso específico em que o Superior Tribunal Federal (STF) julgou os embargos de declaração sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol (Roraima).
Acontece que, quando esta ação foi julgada, o Tribunal estabeleceu 19 condicionantes a serem verificadas nas demarcações, entre as quais a que autoriza intervenções da Política de Defesa Nacional, a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal, além de restringir o usufruto exclusivo dos índios sobre suas terras. A maioria dos Ministros, no entanto, decidiu que este entendimento não tem efeito vinculante, ou seja, não seria aplicado automaticamente em outros tribunais para outras terras indígenas.
A mais alta corte do Poder Judiciário brasileiro, o STF, decidiu que as condicionantes valem somente para o caso julgado, no entanto o Poder Executivo, por meio da AGU, ao dar vigência à Portaria 303/2012, estabelece esta vinculação das ditas condicionantes a todas as terras indígenas do Brasil.
Trata-se de uma decisão política que desrespeita e atenta contra decisão do STF, determinando práticas na atuação dos Advogados da União, inclusive em processos judiciais que envolvem disputas fundiárias relativas ao direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais.
Em notícia veiculada pelo Cimi, "a vigência da Portaria é injustificável e  altamente prejudicial aos povos indígenas. Em respeito à decisão do STF e aos direitos destes povos, é fundamental que a mesma seja imediata e definitivamente revogada pelo governo federal."
Além de pedirem a revogação da portaria, os índios querem inclusive a exoneração do ministro Luís Inácio Adams. Depois de um constante revoga-e-volta, a Portaria 303 está em vigor, de fato e de direito, desde o dia 05 de fevereiro de 2014, o que foi intensamente comemorado pela então senadora e principal líder da bancada ruralista no Congresso Kátia Abreu (PSD-TO), anti-indigenista de carteirinha.

Mais Conflitos?
As desapropriações de imóveis por interesse social estão quase que paralisadas no governo atual, o que não atinge apenas os populações indígenas. De acordo com o Observatório Quilombola, há pelo menos 2 mil comunidades tentando reconhecimento. O Governo Dilma acabou se tornando refém de sua base conservadora, que se articula sob a lógica do crescimento econômico a qualquer preço.
Disfarçados sob a denominação 'legal' de Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), os ruralistas compõe hoje a maior bancada do Congresso Nacional, com 26% dos senadores e 22% dos deputados.
Em sua tese de Mestrado Questão Agrária e a Bancada Ruralista no Congresso Nacional*, a pesquisadora da Universidade de São Paulo, Sandra Helena Gonçalves Costa levantou dados de 374 deputados e senadores, concluindo que 30% dos deputados estudados são pecuaristas.
Mas, pior que isso, dentre os ruralistas empresários, sete deles formam grandes grupos empresariais familiares ligados a áreas da produção industrial e agrícola, articulados com o processo de produção de commodities. São os grupos: Sperafico, Andre Maggi, Mabel, Itapemirim, Newton Cardoso, Carlos Lyra e Paulo Lima. A pesquisa também mostra que destes 374 deputados, somente 23 não tinham nenhuma ligação empresarial com o agronegócio, os outros 351 declararam possuir juntos 863.646,53 hectares.
É o tipo de projeto agrário que vem se consolidando no país. De um lado, o agronegócio e o capitalismo global, com grande representatividade no Congresso, e do outro lado, a agricultura familiar e os menos favorecidos que parece que estão fadados e ser excluídos desse processo.

Reação indígena
Como as demarcações que ainda restam estão em áreas de conflito com ruralistas e mineradoras e são tratadas com uma certa omissão e letargia pelo governo, a gestão Dilma possui o recorde negativo de terras indígenas demarcadas desde a redemocratização. 
O governo brasileiro bem que tentou esconder, mas lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) levaram ao Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), na tarde de 24 de abril último, em Nova York (EUA), a realidade das comunidades país afora. Lindomar Terena leu uma carta da Apib dirigida à mesa diretora do Fórum (leia a carta na íntegra). A repercussão do pronunciamento foi tamanha que virou debate.
De cocar, Lindomar Terena. Atrás dele, de gorro rosa, Sônia Guajajara. (Foto: MNI)


A carta gerou protestos de representantes do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, que enviou uma comensal para rebater no Plenário . “O nosso pronunciamento gerou um debate de 30 minutos. O governo respondeu a carta dizendo que a realidade dos povos indígenas é difícil em todo o mundo e desafiou os demais países a apresentarem números maiores de demarcações de terras indígenas. Disse ainda que reconhece os problemas, mas que estão trabalhando para a solução", afirma Sônia Bone Guajajara, da Apib, presente no Fórum.


* Se você usa o programa Dropbox, pode acessar a tese na íntegra clicando AQUI. O trabalho é muito bom, abordando as relações de poder em torno do patrimônio, parentesco e política que resultam na acumulação de bens, e também os desdobramentos históricos da formação da propriedade privada da terra no Brasil.

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